Seria uma loucura tentar reunir aqui todos os livros e artigos sobre escrita acadêmica. Seria também uma tarefa desnecessária. Melhor do que isso, vou citar três trabalhos já clássicos sobre como escrever bem e que possuem, a meu ver, o potencial de auxiliar pesadamente no processo de aprender a aprender a escrever.

O primeiro deles, e o mais antigo, é o livro “Como se faz uma Tese”, do famoso escritor e semiólogo italiano Umberco Eco, falecido recentemente, em 2016. Como se faz uma tese é um livro interessante porque nasce das experiências de Eco como aluno e como professor que tinha de orientar jovens pesquisadores, uma experiência dual que é estranhamente perdida em muitos pesquisadores quando assumem uma cátedra. É um texto voltado para os contextos de humanas, mas que remete a questões mais amplas do processo de produzir uma tese, indo além das fronteiras disciplinares.

O índice da obra já revela a pegada do autor, com capítulos variando da escolha do tema, procura de material, plano de trabalho e elaboração de fichas à redação. Tudo muito instrumental e com a escrita mordaz e inconfundível de Umberto Eco, tirando o ranço de manual e transformando o livro num misto muito agradável de literatura técnica e crônica.

Este livro dirige-se, portanto, àqueles que (mesmo sem serem milionários nem terem à sua disposição dez anos para se diplomarem após terem viajado por todo o mundo) têm uma razoável possibilidade de dedicar algumas horas por dia ao estudo e querem preparar uma tese que lhes dê também uma certa satisfação intelectual e lhes sirva depois da licenciatura. E que, portanto, fixados os limites, mesmo modestos, do seu projecto, queiram fazer um trabalho sério. Até uma recolha de cromos pode fazer-se de um modo sério: basta fixar o tema da recolha, os critérios de catalogação e os limites históricos da recolha. Se se decide não remontar além de 1960, óptimo, porque desde 1960 até hoje existem todos os cromos. Haverá sempre uma diferença entre esta recolha e o Museu do Louvre, mas é preferível, em vez de um museu pouco sério, fazer uma recolha séria de cromos de jogadores de futebol de 1960 a 1970.

— Umberto Eco

A sugestão seguinte é um livro igualmente bem-humorado por um autor igualmente interessante e gabaritado; trata-se do livro “Truques da escrita: Para começar e terminar teses, livros e artigos”, do sociólogo americano Howard S. Becker. Qualquer pessoa que já tenha lido algo de Becker pode confirmar que ele é um dos autores mais agradáveis da sociologia, qualidade que se traduz neste livro. Fruto de anos de ensino de redação na pós-graduação, o trabalho tem a imensa vantagem de dialogar de modo muito próximo com as dificuldades e ansiedades concretas de um estudante que busca escrever bem.

O tom é o de um mentor benevolente que se dirige diretamente ao leitor e cujas observações são chocantemente francas: “Se a citação no texto inclui páginas específicas – se menciona Becker 1986, p.136-9 – imagino que o texto indicado realmente diz algo pertinente sobre a questão tratada pelo autor. Mas se a menção se resume a Becker 1986, remetendo ao livro inteiro, tenho bastante segurança de que não vem ao caso e até desconfio que o autor nunca tenha chegado a ler Becker 1986 – apenas encontrou a referência numa pesquisa bibliográfica e achou prudente incluí-la. Afinal, não custa nada.”

É uma pena que esse texto seja menos explorado em disciplinas de projeto de pesquisa do que deveria, uma vez que ele possui os componentes para se configurar como um auxílio verdadeiramente útil, especialmente para estudantes que estão começando a jornada acadêmica. Muita dor de cabeça (e um número ainda maior de linhas excluídas) poderia ser evitada.

Eu poderia continuar, resumindo o que já disse. Mas você pode recuperar essas dicas com a mesma facilidade – sabendo, porém, que as dicas, como eu disse, não resolverão os problemas. Nada disso vai funcionar a menos que você adote essas sugestões como prática rotineira. Para aproveitar estas e quaisquer outras dicas, use-as, experimente-as em diversas circunstâncias nas várias tarefas na hora de escrever. Adapte-as às suas preferências, ao seu estilo, ao assunto e ao público-alvo. Você as leu, mas continuam a ser minhas. Enquanto você não se apropriar delas através do uso constante, estará apenas se esquivando do trabalho de mudar seus hábitos.

— Howard S. Becker

A última sugestão é uma leitura mais rápida, mas nem por isso menos transformadora: o artigo “The Rhetoric of Economics”, da economista americana Deirdre N. McCloskey (na época, anterior à sua transição, Donald N. McCloskey). O nome McCloskey certamente não é estranho a qualquer um que tenha entrado em contato, mesmo que superficialmente, com discussões contemporâneas em história e/da economia. O artigo em questão, que embora muito reconhecido está longe de ser o trabalho mais influente da autora, foi um dos textos pioneiros na reflexão sobre retórica em economia e causou polêmica ao propor afirmações de que a ciência econômica seria também literatura e que a forma de argumentação dos economistas não está muito longe da de Cícero ou Homero em seus textos e discursos.

Ao contrário dos textos anteriores, o artigo de McCloskey é direcionado aos estudantes de economia, mas sua defesa da clareza, do estilo, da honestidade intelectual e da objetividade são aplicáveis a todas as ciências. O argumento do texto gira em torno da necessidade de incluir, nas discussões econômicas, uma preocupação retórica mais reflexiva, a fim de evitar textos formulaicos, áridos e pouco persuasivos.

Os conhecimentos da autora em filosofia e história possibilitam uma discussão ampla sobre metodologia científica, fundações do modernismo e filosofia do conhecimento, enriquecendo o argumento de que boa retórica conduz a boa ciência.

Infelizmente, até onde eu tenha conhecimento, o texto está disponível apenas em inglês, mas é uma leitura realmente fundamental para estudantes no início ou no fim do processo de pesquisa. O texto também deu origem a um livro homônimo que, igualmente, vale a pena ser conferido.

First of all, economics is badly written, written by a formula for scientific prose. The situation is not so bad as it is in, say, psychology, where papers that do not conform to the formula (introduction, survey of literature, experiment, discussion, and so forth) are in some journals not accepted. But economists are stumbling towards conventions of prose that are bad for clarity and honesty. The study of rhetoric, it must be said, does not guarantee the student a good English style. But at least it makes him blush at the disdain for the reader that some economics exhibits.

—Deirdre N. McCloskey

PS: todos as obras citadas podem ser encontradas na internet e há quem diga que até estão disponíveis em plataformas dúbias e nem um pouco fundamentais para a democratização do conhecimento, como Sci-hub e Library Genesis.

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